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Emídio Rangel visto de perto

15 de Agosto de 2014


Emídio Rangel foi um dos fundadores do Clube de Jornalistas, onde teve participação activa nos corpos sociais, e dirigente do Sindicato dos Jornalistas. O CJ Online não podia deixar de evocar esse tempo, que Emídio Rangel viveu com a mesma intensidade e entrega que sempre caracterizaram a sua carreira profissional. Aqui fica o testemunho de alguns jornalistas que trabalharam de perto com Rangel, quer no domínio profissional quer no âmbito  da sua actividade  sindical e associativa.

Marcas Profundas

Partiu a louça e ofereceu um serviço novo. Homem de pensamento e acção, convicções e espírito de liderança, o Emídio Rangel deixou marcas profundas no audiovisual português.

Mário Zambujal, presidente da direcção do Clube de Jornalistas

 

Inovador e inspirador

A criação da TSF e da SIC Notícias abriu caminho a mudanças inovadoras, necessárias e inspiradoras, tanto na informação/rádio como na informação/tv. Nestas duas frentes, pesou, de forma decisiva e exemplar, a figura de Emídio Rangel, um dos fundadores do Clube de Jornalistas, de cujos corpos gerentes fez parte em anos sucessivos. E não esqueço o companheiro justo e solidário nos anos comuns da Redacção da RDP/Antena 1 e na organização do histórico I Congresso dos Jornalistas Portugueses (1983).

Eugénio Alves, presidente da assembleia-geral do Clube de Jornalistas

 

Emídio Rangel: escancarar os monopólios

Conheci o Emídio Rangel no final dos anos setenta, na RDP, no âmbito da actividade sindical, no tempo da direcção presidida pelo Cáceres Monteiro. Participei, a convite dele, na primeira emissão pirata em 1984, verdadeiro desafio ao monopólio da rádio.
Fui acompanhando a actividade do Emídio enquanto erguia a TSF por contactos pessoais ou através do Silva Costa, que trabalhava com ele na formação da TSF em representação de “O Jornal”. A TSF vai para o ar em 1988 e é, ao mesmo tempo, a
surpresa, a revolução no jornalismo radiofónico, o escancarar do monopólio da rádio, mas também, a primeiro grande contributo para o fim do monopólio televisivo, quatro anos depois. Este é, quanto a mim, o primeiro , e talvez o maior contributo do Emídio Rangel para a mudança histórica nos audiovisuais que se operou em Portugal , no final dos anos oitenta e princípio dos anos noventa. Mais ainda se tivermos em conta que o fim dos monopólios da rádio e televisão foi a chegada tardia do 25 de Abril aos audiovisuais. Não só porque permitiu o aparecimento de emissoras livres de cangas políticas como libertou os meios públicos de grande parte da servidão que eram até aí submetidos. E é justo reconhecer que, em tudo isto, a intervenção do Emídio Rangel foi decisiva.

Cesário Borga, vice-presidente do Clube de Jornalistas

 

Nada ficou como antes

Emídio Rangel foi um homem com uma grande consciência cívica, um apurado sentido de justiça e um imenso amor à liberdade. Era corajoso, fraterno e voluntarioso. Foram esses traços de caráter que fizeram dele um profissional com lugar garantido na história do jornalismo e da comunicação social portugueses.
Ele criou projetos e dinamizou equipas que revolucionaram a rádio, a televisão e, em vários sentidos, todo o panorama mediático português.
Poucos lutaram tão intensamente como ele pelo direito dos jornalistas a informar e dos cidadãos a serem informados. As dinâmicas que criou na TSF, na SIC e que começou a criar na RTP, acabaram por ser travadas, em grande parte, pelas mesmas razões que o levaram a bater-se pela transformação dos media.
Mas a verdade é que nada ficou como antes. As sementes estão aí e vão dando os seus frutos. Podiam e deviam dar mais, mas profissionais como o Emídio Rangel não aparecem todos os dias.

António Borga, substituto do presidente do Clube de Jornalistas

 

Indomável e excessivo

Por onde passou deixou o seu dedo, o seu suor, a sua criatividade. Obviamente, todos, ou quase, falam, e bem, da TSF e da SIC. Mas houve, em Rangel, outras dimensões menos visíveis: com ele convivi na organização do I Congresso dos Jornalistas Portugueses (1983) e na constituição da lista que venceu as eleições no Sindicato dos Jornalistas para o biénio 87-88 em que ele foi Presidente da Assembleia Geral. Isto sem falar da sua passagem, “long time ago”, pelo Clube dos Jornalistas, de que foi fundador e dirigente.
Mas a memória que dele retenho e gosto é outra: indomável e excessivo em quase tudo, errando muitas vezes mas acertando em muitas mais, foi um inimigo de rotinas, de copos de leite morno, de águas paradas, de salamaleques, da boa educação formal e balofa. Visionário, frontal, muitas vezes em demasia e sem necessidade, com ele prá frente é que era o caminho. Se políticos e jornalistas – para falar apenas de duas áreas – lhe seguissem as suas pisadas teríamos seguramente outro destino colectivo.

Ribeiro Cardoso, responsável editorial do CJ On Line

 

Um lugar na galeria justa

Não sabemos como seria hoje o jornalismo na rádio e na televisão sem o Emídio Rangel da TSF e da SIC. Só as pessoas singulares deixam marcas. Rangel deixou-as, e bem profundas, nos projectos que liderou. E estes – animados também por outros profissionais de referência – pontuaram na paisagem mediática, transmutando no seu ecossistema técnicas, opções e ângulos novos, tiques, ousadias, arrojos e ruturas. Merece um lugar na história do jornalismo e da comunicação social em Portugal.
Do retrato que fica na galeria dos profissionais que influenciaram gerações de jornalistas, ressaltarão os traços de uma personalidade muito forte e os de um profissional ousado e corajoso. Por isso, também batalhador e polémico. Tendo participado numa ou noutra porfia e divergindo de Emídio Rangel em vários aspectos, testemunho a firmeza com que defendeu as suas convicções.

Alfredo Maia, presidente da direcção do Sindicato dos Jornalistas

 

Vontade e decisão

Trabalhei com o Emídio Rangel na TSF. Com o Rangel cada ideia ganhava asas e assumia-se como acontecimento e espectáculo. Nunca tive um director que juntasse tanta vontade com decisão de fazer coisas arrojadas e novas. E os resultados viam-se.

João Paulo Guerra

 

Emídio Rangel para São Pedro:
“Vamos fazer uma rádio aqui?”

O desaparecimento prematuro de Emídio Rangel, neste dia 13 de Agosto de 2014, é uma notícia que, embora esperada por quem sabia do cancro que o minava, não pode deixar de fazer pensar em como a vida é madrasta para muitos dos que se distinguem da mediania.
Conheci-o mais de perto nos tempos excitantes (diria até heróicos) do lançamento da TSF Rádio Jornal, em 1989 — a partir de uma “rádio pirata”, fundada um ano antes, inspirada na famosa Radio Caroline —, numa época em que, em Portugal, quase não havia operadores privados de radiodifusão.
Desde sempre me habituei a considerá-lo um jornalista de excepção, multifacetado e imaginativo, sempre a coleccionar ideias para tudo e mais alguma coisa, num caderno de notas tipo filofax com capa dura, que nunca abandonava.
Como primeiro presidente do CA da Rádio Jornal, SA, onde ele começou por ser director-geral e sua alma inspiradora, competia-me tentar travar alguns dos seus excessos, em nome da sustentabilidade da empresa, mas confesso que raramente tive êxito nessa tarefa, tal era a paixão que ele punha na construção da TSF estação de rádio, como se a emprea e a estação fossem coisas distintas…
[Ainda não se ia “até ao fim da rua, ou até ao fim do mundo”, mas para lá se caminhava].
Diz o Carlos Vaz Marques que Rangel era “exuberantemente humano e tinha orgulho nisso” e eu acrescento que, naturalmente, também tinha defeitos pessoais, que não devem ser negados, mas também não sublinhados nesta hora de despedida. Era, afinal, um ser humano que calhou ser bafejado por facetas de talento incomuns no domínio profissional, como ficou patente na criação da TSF e, mais tarde, na SIC.
Agora que partiu, ocorre-me fazer um paralelo com uma história, sob a forma de “cartoon”, publicada aquando da morte de Steve Jobs, em que o fundador da Apple se apresentava diante de São Pedro com um iPad na mão.
Se houver São Pedro, e se o Emídio Rangel lhe for apresentado, certamente lhe exibirá um microfone da TSF, procurando convencê-lo a deixá-lo fundar, por essas bandas, uma rádio (e uma televisão, já agora…).
E acho que o tal São Pedro não vai resistir-lhe…

José Silva Pinto

 

O ser do tudo ou nada

Ele voltava da terra onde tinha nascido, Angola. Regressava de uma viagem presidencial e vinha impressionado com a quantidade de miúdos que deambulavam pelas ruas de Luanda. Estávamos em 1996, estávamos na SIC. Desafiou-me a ir lá fazer uma grande reportagem sobre aqueles miúdos. Discutimos o título, “Meninos de Angola”, e quando viu a reportagem lágrimas teimosas correram-lhe pelo rosto. E queria que todos vissem, na esperança de contribuir para acabar com aquele conflito que lançava tantos inocentes na margem.
Já conhecia a paixão de Emídio Rangel pelo jornalismo, de outros tempos, da RDP, da TSF, da fantástica aventura que foi o início da SIC. O ser do tudo ou nada, da capacidade única de liderança com proximidade, da liberdade, responsabilidade, rigor, criatividade. E ousadia. Muita ousadia. Das discussões e do grande gozo de fazer novo. O homem que mudou a informação audiovisual em Portugal  era um raro motor de equipas que apostava na superação, no chegar mais longe, que nos fazia acreditar que tudo era possível. Bastava querer.
Olhos claros, mãos delicadas, sorriso companheiro. Um privilégio trabalhar com alguém que confia e desafia. Obrigada, Rangel.

Cândida Pinto

 

Rangel baralhou tudo!

Falar de Emídio Rangel é falar de quando tudo começou, de quando a paisagem cinzenta da nossa comunicação audiovisual, burocrática, reverencial, pobrezinha de espírito, com medo da própria sombra, se transformou, ganhou cor, ousadia, coragem, liberdade!
Antes de Emídio Rangel, antes da TSF de 88 e da SIC de 92, a informação na rádio e na televisão prestava vassalagem a tudo e a todos. Respeitinho era a palavra de ordem: não havia directos (é sempre difícil controlar um directo!), muitos profissionais de valor estavam em prateleiras na rádio e na televisão públicas, os jornalistas seguiam a agenda, a informação era ‘organizadinha’: primeiro o que fez o senhor Presidente, depois o que fez o senhor primeiro-ministro, a seguir os sindicatos, pelo meio uma pitada de notícias do estrangeiro, no fim o futebol. Eram assim os alinhamentos dos noticiários de rádio e televisão. Sempre às horas certas!
Rangel baralhou tudo! Ensinou-nos o directo, a adrenalina, o entusiasmo por chegar primeiro, a emoção de estar lá, no fim da rua ou do outro lado do mundo! Às vezes sem meios, outras sem dinheiro, outras ainda sem comer ou sem dormir! Sempre com a ideia de chegar, a vontade de contar, o dever de informar! O instinto das notícias!
É a Rangel que devemos a melhor parte de tudo o que somos hoje na rádio e na televisão portuguesas. Devemos-lhe a energia, o rasgo, a visão, a tenacidade, o espírito de combate, o companheirismo incondicional. Tudo!

José Fragoso

 

Lugar cativo

Queridíssimo Director,
Nem queiras saber o que se tem dito, escrito e falado sobre ti.
Afinal dizem que eras muito bom, o maior mesmo, que não houve outro como tu, a surpreender sempre, que foste o grande dinamizador de equipas, o estratega e o líder.
Eu também acho, mas não percebo como te deixaram estar estes anos todos assim depois de saíres da TSF, da SIC e da RTP. Mas deixaram. Sem grande incómodo daqueles que só existiram porque uma vez olhaste para eles. É um mal português que se incomoda com o brilhantismo dos outros e prefere a mediocridade mesquinha, pequenina, tacanha e manhosa.
Tenho até saudades dos teus defeitos, da tua teimosa determinação, quase sempre certa. Quase sempre. Lembras-te dos “comícios” que dizias que eu fazia, e fazia, na redacção da TSF nas Amoreiras?
Demorei a perceber porque não querias que eu fizesse política logo que a TSF começou. Tinhas razão.
Ontem soube de um gesto teu, extraordinário, para com um dos mais brilhantes jornalistas que te apresentei e levaste para a SIC. Disseste-lhe “tu tens jeito para isto, mas anda cá porque não sabes ler”. Pegaste-lhe no texto, leste-lhe em voz alta e disseste: agora lê assim. E ele é o que tu sabes que é.
Era uma das tuas enormes qualidades: a generosidade. Tu davas. Conhecias cada um de nós e tiravas-nos aquilo que nem sabíamos ter cá dentro.
Tu fazias acontecer o que é uma qualidade que poucos têm e nesta profissão não me cruzei com mais ninguém assim. Há outros que fazem. E até podem fazer bem e até melhor que tu. Só que tu, companheiro, sabias mesmo fazer acontecer e isso entrou no meu coração e não vai sair mais. Tu tens aqui, Director, como sabes, lugar cativo.

Flor
Maria Flor Pedroso jornalista.
TSF 1987/1997

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