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Alá com satã? (Domingos Lopes)

25 de Junho de 2014


Quando os EUA e os seus mais fiéis aliados invadiram o Iraque e derrotaram Saddam poucos fizeram contas ao verdadeiro impacte da vitória no país, na região e em todo o mundo muçulmano.

O invocado direito messiânico de punir os “prevaricadores”, aliado à gula pelo petróleo, cegaram a administração Bush.

A todos os que pensam que basta o seu poderio militar para alterar a política de países tidos como hostis, os exemplos do Iraque e Afeganistão deviam fazê-los pensar duas vezes.

A ideia de um conjunto de dirigentes de olharem para o mundo como se o pudessem mudar a seu bel-prazer, independentemente das vontades dos povos respetivos, pode conduzir a comunidade internacional ao caos.

A “grande vitória” de Bush, Blair e Cª aí está, diante dos nossos olhos, em todo seu esplendor: o desmembramento do Iraque, a desestabilização em toda a região e violência fundamentalista no mundo muçulmano nunca vista.

Além disso o resultado da invasão foi desastroso para quem queria exportar a democracia e fez o Iraque recuar dezenas de anos em termos de desenvolvimento social.

E dada a composição étnica do Iraque colocou no poder no Iraque a maioria xiita, o que permitiu ao Irão ganhar uma enorme influência naquele país.

A coligação invasora desmembrou o Iraque, tornou-o refém das etnias e transportou para dentro dos países fronteiriços e próximos o mesmo tipo de conflito dito religioso.

A norte, os curdos aproveitaram a situação para consolidarem a sua autonomia, surgindo novos focos de tensão nos países vizinhos que os mantêm sob domínio.

Face a este estado de anemia nacional, os islamistas e Cª encontram terreno favorável para avançarem militarmente, estando próximos de Bagdad.

No plano regional a invasão teve como consequência, entre outras, a chegada ao poder dos islamistas numa série de países árabes.

Não foi capaz de contribuir para a solução do conflito israelo-palestiniano, antes dando novos apoios a Israel e mantendo a ocupação a ferro e fogo.

Agudizou as divisões entre sunitas e xiitas. Na região pode afirmar-se que todos estão contra todos, salvo uma ou outra exceção.

O reino saudita, usando a sua influência entre os sunitas e levando atrás de si o Ocidente para contrariar a política iraniana, fomentou a rebelião armada na Síria dando toda a espécie de apoios aos grupos islamistas mais radicais, incluindo o ISIS.

O empenho ativo militar da Arábia Saudita, Turquia, as monarquias do Golfo e de países como os EUA, França, Alemanha e Inglaterra no apoio aos insurgentes que combatem o regime sírio fez deles tão poderosos no plano militar que lhes permitiram levar o conflito para dentro do Iraque e tomar importantes cidades.

O envolvimento das monarquias do Golfo para impedir a crescente influência do Irão na região vieram acrescentar novos conflitos aos já existentes a pontos de se tonarem quase incontroláveis.

Faz lembrar os tempos em que os EUA e Israel para combater a presença soviética no Afeganistão armaram Bin Laden e os talibans até aos dentes.

Sob a capa de uma guerra religiosa o que no fundo dos conflitos se deteta é uma luta sangrenta pela hegemonia regional e pelo controle das riquezas aí existentes. É, por isso, que a Arábia Saudita apoia as correntes fanáticas para derrotar líderes no poder que não são da sua confiança e têm as graças do regime iraniano.

Se juntarmos à influência do Irão no Iraque as novas alianças com a Síria, os xiitas do Líbano, a situação aponta o Irão como a potência regional em detrimento do reino saudita.

Apesar da Turquia apoiar a rebelião síria e o Irão o poder estabelecido, ambos os países criaram muito recentemente um Conselho Supremo de Cooperação para reforçar as relações entre os dois países.

Internamente os novos dirigentes iranianos, nomeadamente o Presidente Rouhani, insistem na moderação e na abertura, naturalmente no quadro do regime religioso. O eixo dos seus discursos vai para a moderação.

O grau de estabilidade comparado com todos os seus vizinhos cria uma situação única para o Irão jogar as suas cartas.

As negociações a propósito da energia nuclear (5+1) mostram que o Irão está interessado na busca de uma solução que lhes permita ultrapassar as sanções e desenvolverem a sua economia, plena de riquezas naturais.

Domingos Lopes – “Público”  24 junho 2014

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